Por Welton Ramos
“Diversidade é inegociável”. Apesar de ser um axioma social, essa frase e seu significado ainda são ignorados em toda parte. Eu a ouvi recentemente na segunda edição do Lab de Comunicação para diversidade, sobre as perspectivas do mercado sobre a jornada da inclusão. O evento, que aconteceu no final de novembro, foi realizado pela ABERJE - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial em parceria com a farmacêutica Novo Nordisk, e com participação do portal Meio&Mensagem, Unilever e Uber.
Essa frase carrega consigo a essência das incríveis histórias sobre iniciativas, lutas e desafios para garantir mais diversidade na mídia, nos ambientes empresariais e no mercado que foram contadas naquele dia. Ela carrega consigo a verdade que a sociedade se habituou a calar ou a deixar de ouvir. Ela é verdade e é uma realidade dura para aqueles que a ignoram.
Inegociável é uma palavra pesada, definitiva, e quando ligada à diversidade descreve exatamente a postura que precisamos abraçar enquanto comunicadores, profissionais, consumidores, colaboradores, enfim, como pessoas em uma sociedade plural. É terrível pensar que o mundo sempre foi plural, mas só recentemente, após lutas sangrentas de diversos grupos, cada qual em seu nicho, é que as pessoas, enquanto sociedade, passaram a começar a condenar o desrespeito à pluralidade, e a tornar o “ser diverso” normal. O respeito ao diferente enquanto dever ético e moral de qualquer cidadão ainda está em construção, e isso é terrível, mas jamais pode voltar a ser ignorado ou “negociável”.
Durante esse laboratório, a ABERJE recebeu pessoas de nichos diferentes e com iniciativas diferentes em suas respectivas organizações e mercados. Porém ouvindo seus relatos, impressões e conclusões sobre o mercado, pude perceber o quanto é alarmante ouvir que existe um esfriamento dessa pauta. As empresas, de um modo geral, parecem achar que já fizeram o bastante, se sentem confortáveis com o status quo, acreditando que já se tornaram diversas, já alcançaram espaço para a minoria, que já são mais justas ou que já repararam anos de males, que hoje compõem as estruturas mais básicas da sociedade.
Estamos só começando a dar espaço àqueles que nunca tiveram voz. Nem de longe isso é o bastante. Ainda vivemos realidades inaceitáveis de desigualdade e a equidade é um sonho em 90% dos cenários. Na mídia, as pautas sobre diversidade parecem esquecidas, só recordadas em datas comemorativas ou em eventos terríveis, quando uma minoria é massacrada, calada, apagada ou subjugada.
A mulher é mulher o ano inteiro, a vida inteira, não só em março; o preto é preto o ano inteiro, se orgulha e é consciente disso por toda a sua vida, não só em novembro; pessoas LGBTQIAPN+ carregam suas características por todas as suas vidas, não só em julho, não só para serem expostas em um evento anual, como a Parada.
O padrão é ser diferente, e quando falamos de preconceitos que são estruturais, reparações precisam ser feitas na própria estrutura social, pois questões como o racismo ou o sexismo afetam as pessoas do momento em que elas nascem até suas mortes. Nem de longe já foi feito o bastante. Não está bem deixar de falar sobre isso todos os meses, todas as semanas, todos os dias.
Quando falamos especificamente da comunicação, seja no jornalismo, seja nas relações públicas, seja no marketing ou em outras atividades que envolvam o contato com a massa é preciso fazer muito mais. Pode ser que enquanto jornalista você não esteja encarregado de cobrir alguma história com relação direta com a representatividade, mas é seu dever olhar as situações por lentes que consideram os dramas estruturais da sociedade e seus impactos de longo prazo.
Enquanto assessor de imprensa ou relações públicas, talvez sua assessorada não possua um quadro de executivos exatamente plural, mas não custa apresentar planos que englobem as vozes disponíveis. Quando se produz um press release, quando se realiza uma ação de engajamento ou diálogo com a imprensa, é preciso escrever, falar e pensar para a pluralidade, considerando dificuldades, linguagem, respeito e criatividade vindas de cenários plurais.
Enquanto profissionais de marketing, é dever pensar além do óbvio. Não se fala de negritude apenas quando o comercial é de algo obviamente ligado ao ser preto, pois pessoas pretas fazem mais do que “lavar seus cabelos crespos”.
Além disso, é preciso lembrar que as pessoas são mais do que uma única característica de seus “EUs”. A comunicação e voz para alcançar uma mulher negra, nem sempre é a mesma que alcança uma mulher branca. Há diferentes feminismos porque há diferentes pautas dentro da realidade de cada uma. Um homem homossexual e uma mulher homossexual vivem diferentes realidades. Pessoas trans e não binárias ainda são abordadas com perguntas básicas a respeito de seus corpos, personalidades e sentimentos.
Não é o momento de abrandar o diálogo, de achar que “já fez o bastante”. Estamos apenas começando. Ainda somos ignorantes e não arranhamos nem a superfície do que precisa ser dito, feito e reparado. Sendo assim, para quem comunica, o silêncio não é opção. Para quem trabalha, a inação não é uma opção. Para o ser humano em sociedade, estagnar é retroceder, é rendição. Abraçar a diversidade em cada aspecto social é dever intrínseco à condição humana.
03/12/2024